Devoir de Philosophie

culte du corps

Publié le 18/06/2013

Extrait du document

TREINO, CULTO E EMBELEZAMENTO DO CORPO: UM ESTUDO EM ACADEMIAS DE GINÁSTICA E MUSCULAÇÃO Msndo. ROGER HANSEN Núcleo de Estudos e Pesquisas Corpo Educação e Sociedade E-mail: [email protected] Dr. ALEXANDRE FERNANDEZ VAZ Programa de Pós-graduação em Educação-Núcleo de Estudos e Pesquisas Corpo, Educação e Sociedade Universidade Federal de Santa Catarina [email protected] RESUMO O presente texto apresenta resultados de uma pesquisa que se relacionam à presença do treinamento desportivo nas práticas de modelação corporal em academias de ginástica e musculação. A coleta de dados foi feita em duas academias de uma capital brasileira por meio de instrumentos etnográficos classicamente utilizados. Os resultados dizem respeito aos usos e às visibilidades do corpo por meio dos discursos e técnicas do treinamento desportivo, em especial no que se refere aos processos de esportivização e às relações com a dor e o sofrimento auto-infligido. As conclusões apontam para algumas implicações desses processos nas formações subjetivas contemporâneas. PALAVRAS-CHAVE: Treinamento desportivo; indústria cultural; culto do corpo; corpo e subjetividade. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 26, n. 1, p. 135-152, set. 2004 135 1. PRÓLOGO Todos sabemos da importância do corpo como vetor contemporâneo de construção subjetiva e identitária. Faz parte desse culto, como lugar privilegiado de seu acontecer, o conjunto de academias de ginástica e musculação que ocupam as capitais e as cidades do interior do Brasil, seus bairros mais opulentos e centrais, mas também diversas localidades periféricas, envolvidas no culto ao corpo e nos cuidados com a aparência. As academias de ginástica e musculação conjugam-se com os salões de beleza, os spas urbanos, as clínicas de cirurgia estética e as lojas de tatuagens, entre outros espaços, formando todo um aparato de lugares, equipamentos, tempos e especialistas em transformação dos corpos humanos. Interessa-nos no presente artigo entender as academias de ginástica e musculação como espaços de tecnificação corporal, lugares onde o treinamento desportivo encontra terreno fértil para seus discursos e práticas, espalhando-se, em suas conhecidas conseqüências, por um universo antes insuspeito porque supostamente "livre" dos imperativos da competição. Trata-se de ler as academias de ginástica e musculação como training camps urbanos permanentes, freqüentados por uma enorme gama de para-atletas. No universo das academias, o culto do corpo engendra uma busca incansável trilhada por meio de uma árdua rotina de exercícios, através dos quais pretende-se superar os próprios limites em nome de contornos corporais concebidos como ideais. É nesse sentido que as práticas corporais como a musculação e as mais diversas modalidades de ginástica passam por um processo de esportivização. As semelhanças com as modalidades esportivas podem ser evidenciadas na grande dedicação de tempo, nos sacrifícios auto-impostos e ainda na vigilância do corpo pelas balanças, adipômetros, fitas métricas e, no caso das academias de ginástica e musculação, essencialmente pelos espelhos. Os dados com os quais aqui trabalhamos são oriundos de uma investigação etnográfica1 em duas academias de ginástica e musculação localizadas em bairros centrais de uma capital brasileira. As academias são espaços formais de educação e culto do corpo, distantes entre si aproximadamente três quilômetros e freqüentadas, como é comum nesses ambientes, por integrantes das camadas médias (Velho, 1986; Sabino, 2000). 1. 136 Além de um conjunto bastante grande de inserções no campo durante seis meses, foram feitas ainda 14 entrevistas com atores desses cenários, 2 professores e 5 alunos/as em cada academia. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 26, n. 1, p. 135-152, set. 2004 Ainda que cada espaço deixe-se ler em sua singularidade2, os tomamos aqui geralmente em bloco, como representantes de uma mesma liturgia somatófila (culto público e ritual que tem no corpo e sua potência o lugar social de sua realização), algo que pode ser verificado, por exemplo, no tipo de publicação que consomem ou mesmo no idioma que falam, ambos lembrando as práticas e manuais de autoajuda e sucesso no empreendedorismo. Em comum, esses locais têm o corpo como vetor das relações que os estruturam. Nas próximas páginas, apresentamos alguns resultados e conclusões deste estudo, centrando a análise na presença dos discursos e práticas do treinamento desportivo e da esportivização das atividades de ginástica e musculação. 2. TREINAR, EMBELEZAR, VENCER: CORPO E PERFORMANCE Há uma série de características que consolidam o ethos das academias de ginástica e musculação, dentre elas a presença de um caráter de treinamento e performance incorporado como regra comum. O treinamento esportivo é um conjunto teórico-prático de discursos e estratégias que tem como principal objetivo promover a melhoria do rendimento físico por meio de exercícios planificados. Os esportes para atletas de elite "visam altos rendimentos individuais num processo de treinamento prolongado", exigindo "uma grande disponibilidade de tempo e esforço a fim de se atingir o objetivo predeterminado" (Weineck, 1999, p.18, 36). É curioso como nas academias de ginástica e musculação se retomam, com poucas variações, a organização e o desenvolvimento das premissas e práticas do treinamento desportivo: a divisão dos espaços das salas de musculação, a especificidade do trabalho de acordo com o sexo e a faixa etária, a organização dos exercícios balizada pelos programas referenciados no treinamento de atletas. Além disso, é possível perceber certos aspectos mais sutis nos depoimentos e na própria dinâmica do espaço que vêm conformar este quadro de "esportivização" 2. Do ponto de vista da infra-estrutura e dos serviços oferecidos, as instituições pesquisadas colocamse em dois extremos. Uma delas faz parte de uma associação de funcionários públicos localizada dentro de uma grande repartição federal, sendo o espaço locado por um professor de educação física. A academia corresponde a uma pequena sala, com equipamentos simples e uma mensalidade bastante baixa, sem cobrança de matrícula. Trata-se, nos marcos desse trabalho, de uma pequena academia. A outra instituição é um grande centro de fitness, franquia de uma marca de renome internacional. Trata-se, provavelmente, da academia mais bem estruturada de uma capital que, litorânea, prima pelos corpos à mostra e se orgulha por ver nos meios de comunicação constantemente divulgada sua supostamente elevada "qualidade de vida". O alto valor da mensalidade privilegia uma parcela de pessoas com óbvias boas condições socioeconômicas. É a nossa grande academia. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 26, n. 1, p. 135-152, set. 2004 137 e "treinabilidade": o medo de falhar ou de estar abaixo do rendimento ideal, a idéia de que a dedicação deve ser completa, levando a mudanças na organização da vida cotidiana de uma forma geral, sacrifícios em nome daquilo que já é chamado de "treino" pelas pessoas "comuns", utilização de equipamentos voltados para atletas, bem como a popularização de conhecimentos e de vocábulos próprios do universo esportivo de alto rendimento. No entanto, uma diferença importante precisa ser destacada: o sucesso nestas práticas não diz respeito à vitória em uma competição ou à quebra de um recorde, mas ao rendimento máximo no que se refere ao "aperfeiçoamento" da forma física. Há uma espécie de incorporação da performance, limitada ao aspecto somatófilo que pretende fazer alcançar uma condição comparável a um estado anterior ou ao espetáculo de músculos do colega de treinos. Se o treinamento "é um processo crescente de especialização em que algumas capacidades são aprimoradas até seu desempenho máximo" (idem, 1999, p. 36), é porque um de seus princípios básicos é o da especificidade. Esta, por sua vez, é irrenunciável nos ambientes das academias, as quais são sempre organizadas de modo que seus espaços permitam uma concentração do trabalho em cada capacidade física ou mesmo em cada região corporal. A área reservada para o trabalho aeróbio, por exemplo, divide-se, na grande academia, em salas de ginástica cujas modalidades atendem de maneira específica a determinados objetivos. Algumas delas permitem que se enfatize grupos musculares, a exemplos das aulas de GAP (glúteos, abdominais e pernas), durante as quais as regiões anatômicas que mais preocupam as mulheres recebem atenção máxima. A sala de musculação corresponde ao espaço destinado ao desenvolvimento e delineamento dos músculos. As máquinas geralmente são agrupadas de acordo com cada região corporal. Assim, formam-se os setores de peito, de braços, de coxas, de costas etc., especialmente ocupados pelo público masculino, que por sua vez, mantém-se longe das atividades aeróbicas e de fortalecimento dos glúteos, o q...

« 136 Rev.

Bras.

Cienc.

Esporte, Campinas, v.

26, n.

1, p.

135-152, set.

2004 1.

PRÓLOGO Todos sabemos da importância do corpo como vetor contemporâneo de construção subjetiva e identitária.

Faz parte desse culto, como lugar privilegiado de seu acontecer, o conjunto de academias de ginástica e musculação que ocupam as capitais e as cidades do interior do Brasil, seus bairros mais opulentos e centrais, mas também diversas localidades periféricas, envolvidas no culto ao corpo e nos cuidados com a aparência.

As academias de ginástica e musculação conjugam-se com os salões de beleza, os spas urbanos, as clínicas de cirurgia estética e as lojas de tatuagens, entre outros espaços, formando todo um aparato de lugares, equipa- mentos, tempos e especialistas em transformação dos corpos humanos. Interessa-nos no presente artigo entender as academias de ginástica e musculação como espaços de tecnificação corporal, lugares onde o treinamento desportivo encontra terreno fértil para seus discursos e práticas, espalhando-se, em suas conhecidas conseqüências, por um universo antes insuspeito porque suposta- mente “livre” dos imperativos da competição.

Trata-se de ler as academias de ginás- tica e musculação como training camps urbanos permanentes, freqüentados por uma enorme gama de para-atletas. No universo das academias, o culto do corpo engendra uma busca incansável trilhada por meio de uma árdua rotina de exercícios, através dos quais pretende-se superar os próprios limites em nome de contornos corporais concebidos como ideais.

É nesse sentido que as práticas corporais como a musculação e as mais diversas modalidades de ginástica passam por um processo de esportivização.

As semelhanças com as modalidades esportivas podem ser evidenciadas na grande dedicação de tempo, nos sacrifícios auto-impostos e ainda na vigilância do corpo pelas balanças, adipômetros, fitas métricas e, no caso das academias de ginástica e musculação, essencialmente pelos espelhos. Os dados com os quais aqui trabalhamos são oriundos de uma investiga- ção etnográfica 1 em duas academias de ginástica e musculação localizadas em bairros centrais de uma capital brasileira.

As academias são espaços formais de educação e culto do corpo, distantes entre si aproximadamente três quilômetros e freqüentadas, como é comum nesses ambientes, por integrantes das camadas médias (Velho, 1986; Sabino, 2000). 1.

Além de um conjunto bastante grande de inserções no campo durante seis meses, foram feitas ainda 14 entrevistas com atores desses cenários, 2 professores e 5 alunos/as em cada academia.. »

↓↓↓ APERÇU DU DOCUMENT ↓↓↓

Liens utiles